Havia uma árvore naquele Natal.
Não tão grande e frondosa como outras, mas estava pejada de enfeites e tesouros
e resplandecia de luzes. Havia presentes, também. Alegremente embrulhados
em papel vermelho ou verde, com etiquetas coloridas e fitas. Mas não tantos
presentes como de costume. Eu já tinha reparado que a minha pilha de presentes
era muito pequena.
Nós não éramos pobres. Mas os tempos
eram difíceis, os empregos escassos, o dinheiro à justa. A minha mãe e eu
partilhávamos uma casa com a minha avó e com os meus tios. Naquele ano da
Depressão, toda a gente espaçava refeições, levava sanduíches para o trabalho e
ia a pé para poupar nos bilhetes de autocarro. Anos antes da Segunda Guerra
Mundial, já vivíamos no dia-a-dia, como muitas outras famílias, o que então se
iria ouvir como slogan: “Usa-o, aproveita-o ao máximo; faz com que
funcione, ou passa sem ele”.
Havia poucas escolhas. Compreendia,
pois porque era tão pequeno o meu monte de presentes. Compreendia, mas sentia,
ainda assim, uma ponta de pesar à mistura com um complexo de culpa. Sabia
que não poderia haver surpresas empolgantes naquelas poucas caixas vistosamente
embrulhadas. E sabia que uma delas tinha um livro. A minha mãe arranjava sempre
um livro para mim. Mas nada de vestidos novos, camisolas ou um roupão
acolchoado e quentinho. Nenhum dos miminhos tão desejados na altura do Natal.
Havia uma caixa com o meu nome da
parte da minha avó. Guardei-a para o fim. Talvez fosse uma camisola nova,
talvez um vestido — um vestido azul. A minha avó e eu gostávamos ambas de
lindos vestidos e de todas as tonalidades de azul. Soltando os devidos
“Ohs” e “Ahs” ao ver a aromática barra de sabonete feito de mel, as luvas
vermelhas, o já esperado livro (um novo da Nancy Drew!), rapidamente cheguei
àquele último embrulho. Dei por mim a sentir uma centelha do entusiasmo do
Natal. Era uma caixa bastante grande. Com vergonha de mim mesma por ser tão gananciosa,
por esperar receber um vestido ou uma camisola (mas esperando na mesma!), abri
a caixa.
Meias! Só meias! Soquetes, meias
altas, até mesmo um par daquelas meias horrorosas de algodão branco que estavam
sempre a escorregar e se enrodilhavam em volta dos joelhos.
Esperando que ninguém tivesse
dado conta do desapontamento, peguei num dos quatro pares e agradeci à minha
avó, com um grande sorriso. Ela também sorria. Não com o seu sorriso educado e
distraído de “Sim, querida”, mas com o seu sorriso feliz e radiante, de “Isto
são coisas importantes para uma mulher!” Será que me esquecera de alguma
coisa? Olhei de novo para a caixa no chão — nada, a não ser as meias. Só que
agora eu conseguia ver que havia outro par por debaixo do que eu tinha pegado.
Duas camadas de meias. E mais uma! Três camadas de meias!
A sorrir de verdade, comecei a
retirá-las da caixa. Meias cor-de-rosa, meias brancas, meias verdes, meias de
todos os tons inimagináveis de azul. Toda a gente estava a olhar, rindo comigo,
enquanto eu atirava as meias ao ar e as contava. Doze pares de meias!
Levantei-me e dei um abraço tão
apertado à minha avó que até nos doeu às duas. “Feliz Natal, menina Joan!”
disse ela. “Agora, todos os dias, terás muitas escolhas a fazer. Estás rica,
minha querida! ” E era verdade. Naquele Natal e durante todo o ano,
todas as manhãs, eu escolhia do meu elegante armário da roupa interior qual o
par de meias a usar. E sentia-me rica. E ainda sinto!
Mais tarde, a minha mãe disse-me
que a minha avó tinha andado a esconder aquelas meias durante quase um ano —
poupando todas as moedinhas, comprando um par de cada vez. Um dia, tendo visto
um lindo par de meias azuis com as beiras elásticas bordadas à mão, ela pedira
mesmo ao compreensivo vendedor para deixar um sinal a reservá-las durante três
semanas.
Dentro daquela caixa estava
embrulhado um ano de amor. Foi um Natal que eu nunca esquecerei. A prenda da
minha avó mostrou-me como as pequenas coisas podem ser importantes. E como o
amor nos faz a todos imensamente ricos.
Fonte: Clube das Histórias. Joan Cinelli
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